O STF (Supremo Tribunal Federal) e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) têm recorrido a ações fora dos processos para se contrapor ao presidente Jair Bolsonaro e fazer frente à guerra de narrativa sobre as urnas eletrônicas e as recentes decisões da corte.
Na internet, os tribunais fizeram ao menos quatro publicações para desmontar as versões do presidente da República a respeito de temas que têm colocado os Poderes em conflito.
O presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, também tem dado indiretas ao chefe do Executivo em redes sociais.
Em uma publicação em 28 de julho, o STF afirmou que "uma mentira contada mil vezes não se torna verdade", em relação às declarações de Bolsonaro de que a corte o impediu de agir no enfrentamento da pandemia da Covid-19. O presidente reagiu e classificou o texto como "criminoso".
Por meio de nota, o Supremo afirmou que o "combate à desinformação deve se dar no mesmo ambiente no qual a desinformação circula".
Além disso, os presidentes do Supremo, Luiz Fux, e do TSE, Luís Roberto Barroso, aproveitaram sessões televisionadas para passar duros recados a Bolsonaro.
Na quinta (5), Fux chegou a adiar um julgamento que não tinha relação com o Palácio do Planalto para rebater os ataques do chefe do Executivo. Na data, os ministros voltaram do intervalo da sessão e o presidente disse que se viu "instado a suspender" o encontro para responder a Bolsonaro.
O presidente tinha acabado de fazer duros ataques ao ministro Alexandre de Moraes, a exemplo do que vem fazendo com Barroso. Fux disse que as ofensas não atingem apenas os dois, mas toda a corte.
Na oportunidade, o chefe do STF também recorreu a um gesto político simbólico para dar o recado: anunciou o cancelamento da reunião entre os chefes dos três Poderes que vinha articulando desde julho.
"Diálogo eficiente pressupõe compromisso permanente com as próprias palavras, o que, infelizmente, não temos visto no cenário atual", disse.
A estratégia de ações fora dos processos se somou às iniciativas formais contra a ofensiva de Bolsonaro.
Na semana passada, no retorno do recesso de julho do Judiciário, o STF e o TSE adotaram as medidas mais contundentes contra o chefe do Executivo, que havia aumentado o tom no último mês contra as instituições.
Primeiramente, a corte eleitoral decidiu, por unanimidade, abrir um inquérito para apurar as acusações feitas pelo presidente, sem provas, de que o TSE frauda as eleições. Depois, Barroso assinou uma queixa-crime contra chefe do Executivo e recebeu o aval do plenário da corte eleitoral para enviá-la ao STF.
Na quarta-feira (4), o corregedor-geral do TSE, ministro Luís Felipe Salomão, solicitou ao Supremo o compartilhamento de provas dos inquéritos das fake news e dos atos antidemocráticos com a ação que pode levar à cassação de Bolsonaro.
No mesmo dia, Moraes aceitou a queixa-crime de Barroso e incluiu o presidente como investigado no inquérito das fake news.
Antes dessa sequência de ações, porém, Barroso aproveitou a primeira sessão do TSE no semestre e fez o discurso mais incisivo contra os ataques de Bolsonaro.
O chefe da corte eleitoral disse que quem repete uma mentira muitas vezes será "perenemente prisioneiro do mal". Também afirmou que a obsessão do chefe do Executivo por ele "não faz nenhum sentido e sobretudo não é correspondida" e que não há risco de não haver eleições no ano que vem caso não seja implementado o voto impresso.
Além dos discursos, foram usadas outras ações, como publicações na internet a fim de fazer frente às narrativas falsas criadas por Bolsonaro para animar a própria militância e estimular os ataques às instituições.
Ultimamente, Barroso tem aproveitado as dicas de pensamentos e de músicas que costuma dar todas as sextas-feiras para mandar indiretas a Bolsonaro.
Nesta semana, ele recomendou uma frase de Mario Quintana a seus seguidores: "Aquilo que falam de mim não me diz respeito".
Em outra oportunidade, ele recomendou um pensamento sem autor que também tinha a ver com o contexto dos ataques que o presidente vem fazendo contra ele: "Quando um homem de bem responde um insulto com outro insulto, ele permite que o mal vença. Não é preciso responder. O mal consome a si mesmo".
Nas páginas oficiais das redes sociais, o STF e o TSE têm desmentido mais diretamente as declarações do chefe do Executivo. Com essa estratégia, ganham celeridade para se contrapor a Bolsonaro e não precisam aguardar o rito e o tempo dos processos judiciais para responder às ofensivas do presidente.
Já na eleição de 2020, o tribunal eleitoral havia feito uma parceria com agências de checagem para dar celeridade às respostas da corte para as fake news sobre o sistema eleitoral.
Neste ano, porém, pela primeira vez a estratégia de checar informações se direcionou às declarações do presidente da República.
Quando o chefe do Executivo afirmou que Barroso defende redução da maioridade para o estupro de vulnerável, por exemplo, a página oficial do Supremo nas redes sociais fez uma publicação no mesmo dia para afirmar que é "falsa" a declaração do presidente.
"O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) fez exatamente o oposto: votou pela continuidade da ação penal contra um jovem de 18 anos que manteve relações com uma menina de 13", disse o texto.
No caso da live, no dia 29 de julho, em que Bolsonaro prometia comprovar a ocorrência de fraude nas urnas eletrônicas, o TSE montou uma força-tarefa para rebater em tempo real a narrativa de Bolsonaro.
A corte fez 13 publicações no Twitter e enviou diversos boletins com checagens de informação à imprensa.
Na quinta passada, o TSE recorreu novamente às redes sociais para rebater Bolsonaro.
Em entrevista à rádio Jovem Pan e posteriormente em publicação nas redes sociais, o presidente afirmou que o próprio tribunal eleitoral teria reconhecido que um hacker invadiu seu sistema interno. A admissão teria sido feita em um inquérito da Polícia Federal.
De acordo com a corte, "o próprio TSE encaminhou à PF as informações necessárias à apuração dos fatos e prestou as informações disponíveis". E concluiu: "A investigação corre de forma sigilosa e nunca se comunicou ao TSE qualquer elemento indicativo de fraude".
Juliana Cesario Alvim, professora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e doutora em direito, afirma que a atuação de ministros fora dos autos precisa ser separada entre as situações que fortalecem e as que enfraquecem a corte.
Um pronunciamento do presidente com a posição institucional do tribunal sobre temas relevantes na abertura dos trabalhos no semestre, na visão dela, é adequado e ocorre no local certo, enquanto declarações fora das sessões com críticas a integrantes da própria corte ou com a intenção de pressionar outro ministro, estão no outro extremo.
Em relação ao uso das redes sociais pelos tribunais, ela disse acreditar que tem de acontecer de maneira cautelosa. "Na medida em que pode fortalecer o tribunal, torná-lo mais acessível, mais próximo das pessoas, também pode se desvirtuar para algo que, de alguma maneira, ajude a erodir a legitimidade da corte", disse.
"O tribunal tem de calibrar isso, não se pode banalizar a presença da corte nas redes, colocar a corte em um lugar que ela não pode estar, que é no debate do varejo, do bate-boca da internet", afirmou.
Questionada, a assessoria do STF afirmou que "é preciso difundir informações corretas para o mesmo público anteriormente submetido às mentiras".
O Supremo também mencionou que uma das iniciativas ocorre por meio do projeto #VerdadesdoSTF, idealizado para desmentir boatos e inverdades na internet.
A corte afirmou ainda que prepara um programa mais amplo de combate à desinformação no âmbito do tribunal, com ações institucionais e de comunicação.
"A ideia é realizar capacitação de servidores, debates e parcerias com entidades e órgãos públicos para aprimorar o combate à desinformação. A previsão é de formatação do programa até o fim de agosto", afirmou.
Folhapress