Foto: Paulo Sergio/Câmara dos Deputados
A Câmara dos Deputados concluiu nesta quarta-feira (15) a votação em primeiro turno da segunda parte da PEC (proposta de emenda à Constituição) dos Precatórios, que adia o pagamento de dívidas da União já reconhecidas pela Justiça e, assim, libera espaço no Orçamento para promessas do presidente Jair Bolsonaro (PL).
O texto-base do projeto, que libera mais R$ 43,8 bilhões em despesas no próximo ano, foi aprovado em primeiro turno nesta terça (14) por 327 votos a favor e 147 contrários, mas a maioria dos destaques -tentativas de alterações no projeto- foi analisada nesta quarta.
Agora, a PEC precisa passar pelo segundo turno de votação no plenário da Câmara -são necessários 308 votos. Se aprovada, deverá seguir para promulgação.
Os deputados desistiram de fazer alterações significativas no texto que já foi aprovado pelo Senado. Com isso, não será mais necessário enviar a proposta para nova análise pelos senadores.
Por maioria, os deputados suprimiram dispositivo que contém previsão para o pagamento das parcelas dos precatórios do Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério) dentro do mesmo ano. O Senado criou esse calendário para evitar que o governo pagasse esses recursos a estados comandados por adversários políticos apenas após a eleição de 2022.
Apesar da supressão, pontos essenciais da PEC foram mantidos. Em entrevista ao chegar à Câmara, Lira fez questão de ressaltar que os deputados mantiveram o cerne do texto dos senadores, como a vinculação dos recursos ao pagamento do programa social e o Fundef fora do teto.
"Então foi uma maneira de dizer ao Senado que a Câmara, quando assume os compromissos, ela cumpre. Com tranquilidade, sem nenhum tipo de alarde, com discussão", afirmou.
A PEC dos Precatórios é hoje a principal pauta de interesse do presidente Jair Bolsonaro no Congresso. O objetivo é autorizar o governo a gastar mais e viabilizar a promessa de elevar o valor do Auxílio Brasil numa tentativa de dar impulso a Bolsonaro na campanha à reeleição em 2022.
Com a aprovação desta segunda parte da PEC, o efeito total da proposta é alcançado -R$ 106 bilhões em 2022. No entanto, segundo cálculos do Ministério da Economia, o valor é insuficiente para atender à promessa de reajuste de servidores feita por Bolsonaro, para ampliar as emendas parlamentares e para elevar os recursos do fundo de financiamento de campanha eleitoral.
Para ampliar em cerca de R$ 106 bilhões as despesas do próximo ano, a versão anterior PEC tinha dois pilares. Um deles, que já foi promulgado e já está valendo, permite um drible no teto de gastos, fazendo um novo cálculo retroativo desse limite.
A outra medida, que foi aprovada na Câmara nesta quarta, cria um valor máximo para o pagamento dos precatórios -as dívidas que não entrarem nessa lista serão adiadas e quitadas em anos posteriores.
Esse limitador para a quitação de dívidas deve ser questionado na Justiça. O presidente da Comissão de Precatórios da OAB Nacional, Eduardo Gouvêa, já disse que pretende entrar com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) contra a medida.
O fatiamento da PEC ocorreu por causa de mudanças feitas no Senado ao texto que já havia sido aprovado previamente pela Câmara.
Os senadores mantiveram integralmente a parte que dribla o teto de gastos e libera R$ 62,2 bilhões em 2022.
A Câmara precisou então votar as alterações feitas no pilar que trata do limite de pagamento de precatórios, responsável pela abertura de R$ 43,8 bilhões para novas despesas no Orçamento do próximo ano diante do adiamento da quitação de dívidas.
Os deputados aceitaram prever que a medida tenha validade até 2026, e não até 2036 como estava a versão anterior. Isso foi uma demanda de senadores que temem que a criação de um teto de pagamento de precatórios vire uma "bola de neve" e a União passe a acumular uma dívida muito grande no futuro.
Ao reduzir em dez anos o prazo de vigência, a nova versão da PEC não altera os efeitos da proposta no Orçamento de 2022.
Também foi aprovada pela Câmara a parte que deixa claro que o aumento de gastos em 2022, a partir da aprovação da PEC, será vinculado a despesas obrigatórias, à área social e à prorrogação da desoneração da folha de pagamentos.
O texto também prevê um mecanismo de vinculação dos gastos que deixarão de ser pagos em precatórios para bancar despesas com o programa social e na área de seguridade social, como aposentadorias, entre 2023 e 2026.
A Câmara confirmou ainda que o pagamento de dívidas ligadas ao Fundef (fundo da área de educação) ficará fora do teto dos gastos. Isso representou uma derrota para a equipe do ministro Paulo Guedes (Economia) que resistia a essa medida, mas teve que ceder para aprovar o texto no Senado.
Para 2022, há mais de R$ 17 bilhões em dívidas de repasses do Fundef para estados e municípios. A PEC, porém, parcela essa conta em três anos.
A equipe econômica conta com o espaço de R$ 106,1 bilhões para conseguir acomodar todas as despesas previstas para 2022.
Para assegurar a ampliação do Auxílio Brasil, o governo precisa de R$ 51,1 bilhões adicionais.
Outros R$ 48,6 bilhões serão destinados à correção de benefícios sociais pela inflação, à ampliação do teto de gastos de outros poderes (devido à mudança na regra) e ao ajuste nos mínimos constitucionais de saúde e educação.
Há ainda uma fatura extra de R$ 5,3 bilhões para bancar a prorrogação da desoneração da folha de pagamento para empresas, medida já acertada entre governo e Congresso Nacional.
Conforme o jornal Folha de S.Paulo revelou, a votação do primeiro turno da PEC original teve manobra de Lira para aumentar as chances de aprovação da medida.
O texto, prioridade do governo Jair Bolsonaro (PL), aliado de Lira, passou em primeiro turno pela Câmara com uma folga de apenas quatro votos -312 votos favoráveis (eram necessários ao menos 308)-, na madrugada do dia 4 de novembro.
A votação remota, nos termos definidos por Lira, permitiu que deputados "no desempenho" de viagem de missão oficial pudessem votar sem registrar presença no sistema de identificação biométrica do plenário.
PONTOS JÁ PROMULGADOS
1) Mudança no indexador do teto de gastos
O que é o teto: regra constitucional aprovada em 2016 que limita o aumento da maior parte das despesas federais à inflação do ano anterior
Como é hoje: o teto é corrigido pela inflação medida pelo IPCA em 12 meses até junho do ano anterior
Como fica: o valor é recalculado, retroativamente, com base no IPCA de janeiro a dezembro; na prática, isso amplia o teto
2) Refis a municípios
O que diz a PEC: possibilidade de municípios parcelarem dívidas com a União caso aprovem reformas da Previdência locais.
Condições: municípios terão que comprovar mudanças específicas nas regras previdenciárias. Uma delas é que os servidores municipais não poderão pagar alíquotas menores que os servidores da União
O QUE FALTA PROMULGAR
1) Teto para pagamento de precatórios
O que é precatório: dívidas da União já reconhecidas pela Justiça e sem possibilidade de recurso
Como é hoje: precatórios inscritos no Orçamento são pagos
Como fica: é criado um valor máximo a ser quitado no ano (cálculo usa como base o montante pago em sentenças judiciais em 2016 e corrige esse número pela inflação); os precatórios que ficarem fora desse limite deverão ser pagos em outros anos
2) Vinculação de despesas liberadas após a PEC
O que diz a PEC: os R$ 106 bilhões a serem autorizados após a conclusão de toda a PEC seriam usados apenas em algumas despesas
Lista de despesas: gastos obrigatórios (aposentadorias, pensões e despesas atreladas à inflação), Auxílio Brasil e desoneração da folha de pagamento
Fonte: Folhapress