O agora ex-presidente da Caixa Pedro Guimarães era membro de pelo menos 21 conselhos de administração de empresas ligadas à estatal em 2021. No fim do mês, o salário dele, por causa da remuneração dos conselhos, poderia saltar de R$ 56 mil para mais de R$ 230 mil, como mostram dados obtidos pelo R7 relativos a julho de 2021, quando Guimarães recebeu R$ 230.940. As informações são do R7.
A situação contrariava o artigo 20 da Lei das Estatais, que proíbe "a participação remunerada de membros da administração pública, direta ou indireta, em mais de 2 (dois) conselhos, de administração ou fiscal, de empresa pública, de sociedade de economia mista ou de suas subsidiárias".
Em documento de 2021 obtido com exclusividade pelo R7, Guimarães aparece como presidente dos conselhos de administração do Banco Pan, da Elo, da Caixa Cartões, da Caixa Seguridade e da Caixa Participações.
Veja reprodução dos dados:
Ele figura ainda como membro do conselho de administração das seguintes empresas: Paranapema, BRK Ambiental, Too Seguros, Caixa Seguros Holding, Caixa Capitalização, Caixa Seguradora, Caixa Consórcios, Youse Seguradora, Caixa DTVM, Caixa Seguridade Corretagem e Administração de Seguros, XS3, XS1, XS4, XS5, XS6 e VLI.
Para Vera Chemin, especialista em direito constitucional e mestra em administração pública pela Fundação Getulio Vargas (FGV), há indícios de eventuais irregularidades por parte de Guimarães diante da participação em mais de dois conselhos.
"Se ele [Guimarães] está participando, de forma remunerada, de mais de dois conselhos, realmente está incorrendo em ato ilegal, porque vai contra o artigo 20 da Lei das Estatais. Portanto, é ilegal", afirma Chemin.
A Lei das Estatais foi assinada em 2016 e, portanto, estava em vigor quando Guimarães assumiu o comando da Caixa, em 2019. O artigo 20 destaca que "é vedada a participação remunerada de membros da administração pública, direta ou indireta, em mais de dois conselhos, de administração ou fiscal, de empresa pública, de sociedade de economista mista ou de suas subsidiárias".
No caso de Guimarães, o economista participou de ao menos 21 conselhos de administração. Segundo a especialista, o ex-presidente da Caixa pode ser enquadrado no crime de improbidade administrativa — caracterizada quando há conduta inadequada praticada por agente público que cause danos à administração, por enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário ou violação dos princípios da administração.
Além disso, alerta a especialista, Guimarães pode ser enquadrado em eventual prevaricação — crime que ocorre quando o funcionário, em benefício próprio, retarda ou deixa de praticar um ato de ofício ou praticá-lo contra o que diz a lei. Caso seja condenado, o ex-presidente deverá devolver aos cofres públicos os ganhos que teve à frente da Caixa com a participação nos conselhos.
O R7 não conseguiu contato com Pedro Guimarães. A Caixa não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Denúncias de assédio sexual
Guimarães pediu demissão depois de se tornar alvo de investigações do Ministério Público Federal (MPF) e do Tribunal de Contas da União (TCU) por denúncias de assédio sexual. As suspeitas foram reveladas pelo portal Metrópoles. De acordo com a apuração, os casos teriam ocorrido com empregadas do próprio banco. Em entrevista ao site, as mulheres relataram que se sentiram assediadas pelo economista em diferentes ocasiões, sempre em eventos ou viagens de trabalho.
Há denúncias de aproximação física e toques indesejados. As investidas teriam ocorrido durante viagens realizadas por Pedro Guimarães e funcionários do banco, especialmente em ações do Caixa Mais Brasil, programa criado pelo executivo para dar visibilidade à Caixa em todo o país.
Fontes ouvidas pelo R7 no MPF confirmaram a investigação e afirmaram que as diligências estão sendo feitas sob sigilo na Procuradoria da República no Distrito Federal, já que o economista não tem foro privilegiado. A presidente do TCU, Ana Arraes, já confirmou a investigação da entidade sobre os mecanismos da Caixa para combater esse tipo de assédio.
Quem é Pedro Guimarães
O economista carioca Pedro Guimarães tem 51 anos e assumiu a presidência da Caixa em 3 de janeiro de 2019, sucedendo Nelson de Souza. Como presidente da empresa, Guimarães também faz parte do conselho administrativo do banco. Antes disso, ele já havia sido sócio em duas instituições do setor bancário: a BTG Pactual — banco de investimentos fundado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes — e o Banco Plural.
Guimarães formou-se em economia em 1992 pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), fez mestrado em economia na Fundação Getulio Vargas (FGV) e doutorado pela Universidade de Rochester, em Nova York, onde apresentou uma tese sobre privatizações no setor financeiro.
Guimarães é genro de Léo Pinheiro, da empreiteira OAS. Pinheiro foi o delator do "Caso Triplex", que levou à condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Ele também já foi acusado de assédio moral, inclusive com a divulgação de vídeos em que constrange funcionários da Caixa e os obriga a fazer flexão.
Na época, o Ministério Público do Trabalho (MPT) no Distrito Federal notificou Guimarães e recomendou que o presidente da instituição não submetesse os colaboradores a "situações de constrangimento no trabalho" sob pena de abertura de um procedimento investigatório e adoção de medidas para correção da conduta, sem descartar responsabilizações civil, criminal e administrativa.
Em outro episódio recente, em dezembro de 2020, o economista ficou em evidência por comentar que não sabia que há pessoas morando em lixões no Brasil.
Em março deste ano, Guimarães assinou acordos de R$ 24 mil com duas ex-empregadas domésticas que o acusaram de não pagar direitos trabalhistas.
O presidente da Caixa chegou a cogitar a possibilidade de concorrer às eleições, mas a ideia acabou perdendo força. Ele também chegou a ser lembrado como possível substituto de Paulo Guedes no Ministério da Economia, que o indicou para a presidência do banco.