Em matéria do jornalista Carlos Madero, publicada no site UOL, se expõe o outro lado da disputa territorial entre o Piauí e o Ceará: a perspectiva dos povos originários.
Antes mesmo do domínio da região pelos portugueses, fundadores das capitanias hereditárias nas regiões litorâneas, e antes do controle interiorano pelos bandeirantes, havia um grupo indígena que dominava uma faixa que se estendia do Pernambuco ao Piauí: os Tabajaras.
Em uma audiência recente na cidade cearense de Poranga, o grupo residente na aldeia Cajueiro, que ocupa um espaço de 5 mil hectares em constante disputa por demarcação contra fazendeiros e posseiros desde o início deste século, declarou firmemente que não aceitará que a área hoje ocupada por eles, e pertencente ao Ceará, passe para o controle do Piauí. No oeste do Ceará, o grupo ocupa uma microrregião menor do que ocupava no século XVII e que tem diminuído sistematicamente, restando-lhes viver aos pés e no topo da Serra da Ibiapaba, nas aldeias Jardim das Oliveiras, Jericó, Calumbi e na já citada Cajueiro.
Desde 2011, o Piauí está envolvido em uma grande disputa pela região, que chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), para reivindicar o domínio, ou, segundo argumentam, a retomada de posse de um espaço de 3 mil km² que se estende próximo ao litoral e desce ao sul margeando a Serra da Ibiapaba, hoje pertencente ao Ceará.
Ao todo, a intriga geográfica e histórica versa sobre 13 cidades: Granja, Viçosa do Ceará, Tianguá, Poranga, Ibiapina, Ipueiras, Ubajara, Croatá, São Benedito, Guaraciaba do Norte, Crateús, Carnaubal e Ipaporanga. Uma região com quase 30 mil habitantes e que movimenta anualmente bilhões de reais, impulsionada pelo comércio e turismo, interesses que o Piauí deseja e que o Ceará não está disposto a ceder facilmente.
disputa não afeta apenas os habitantes locais mais comuns, que em sua maioria não desejam ser identificados como piauienses; agora, os primeiros habitantes e historicamente donos da região, os Tabajaras, entraram na disputa, fortalecendo o lado do Ceará.
Os caciques argumentam que, ao passar para o Piauí o domínio da região, toda uma gama de políticas públicas conquistadas com muita luta será colocada em segundo plano: escolas, professores concursados, postos de saúde e reconhecimento étnico, além do sentimento de pertencimento.
Para os indígenas, a briga não é por PIB ou terra, mas sim, pensam e argumentam eles, pela sobrevivência. A questão emocional os toca tão profundamente que afirmam que, se necessário, lutarão até com sangue para impedir que a região passe para o controle do Piauí. Um cartaz em audiência pública feita pelos indígenas ilustra bem o que sentem diante de tudo que acontece sem considerar suas perspectivas: “Combinaram de nos matar. Combinamos de não morrer”.
Para eles, as novas políticas públicas a serem aplicadas caso o Piauí vença a disputa colocam em risco todo um trabalho de proteção à natureza e de demarcação realizado por eles mesmos, sendo um marco nacional de autopreservação dos povos originários. O medo dos fazendeiros e da grilagem do outro lado da serra ronda os mais velhos constantemente e serve de aviso para as crianças, como velhas lendas sobre o mal que está sempre à espreita.
Para o Cacique Jorge Tabajara, secretário executivo dos Povos Indígenas do Ceará e representante desses povos, é um fato que toda a estrutura atual que avança para políticas de preservação das tribos está em risco, dado que desde 2014 a FUNAI avança em estudos de demarcação de terras dos Tabajaras, por ordem judicial da 22ª Vara Federal do Ceará, o que pode mudar de rumo caso o Piauí leve a melhor na disputa.
Os indígenas argumentam que precisam ser ouvidos, pois também habitam a região, e a questão só será resolvida se suas visões sobre a preservação de toda a área forem consideradas.
Fonte: Meio Noite