Foto: Renato Andrade/Cidadeverde.com
Quem passou pelo aeroporto de Guarulhos nos últimos meses deve ter notado que as salas VIP, espaços exclusivos para esperar os voos, já não parecem mais tão VIP assim. As filas para acessá-las são constantes, e as superlotações viraram rotina.
Quem chega com bastante antecedência para aproveitar esses espaços especiais, percebe que eles às vezes não valem a pena. Na véspera do feriado do Dia da Consciência Negra, por exemplo, a maioria das salas VIP do terminal 3 estava abarrotada.
A reportagem tentou acessar a do Bradesco, que pode ser usada para quem tem cartões da American Express, e foi informada de que ela estava cheia. O Visa Infinite Lounge tinha fila de espera -todas as poltronas e cadeiras estavam ocupadas e a entrada só era liberada quando alguém saía.
Já a fila para o The Pier, da W Premium Lounge, quase atrapalhava a turma que queria embarcar nos portões próximos. A sala, aliás, decepciona. Seu bufê oferece poucas opções -no dia em que a reportagem visitou, havia um estrogonofe aguado e um macarrão esturricado ao molho bolonhesa.
Os fatores que explicam essas situações são vários. O primeiro tem a ver com os cartões de crédito, que, em busca de mais clientes, prometem uma experiência de pré-embarque diferenciadas.
Ao lado dos programas de fidelidade, eles são o negócio principal das aéreas. Como o turismo concentra clientes de alta renda, e estes são os que mais gastam em viagens, faz sentido que os bancos e cartões também tenham seus próprios lounges.
O 11 de Setembro turbinou esse mercado. Foi a partir dos atentados que os procedimentos de segurança se tornaram mais rígidos, exigindo que os passageiros chegassem com mais antecedência.
Empresas como a W Premium Lounge e Plaza Premium Lounge ganham dinheiro apenas operando essas salas, enquanto o acesso fica por conta de programas como Lounge Key e Priority Pass (que pertencem ao mesmo grupo, o Collinson), e Dragon Pass, com seus próprios planos de assinatura, que também são oferecidos como benefício dos cartões.
Outras, como a Hub Brasil, que é especializada em ativações de marca, oferecem os lounges como "experiências exclusivas que elevam a jornada do cliente".
Mas, além da expansão do mercado dos cartões de crédito, a proliferação de salas VIP -e suas respectivas filas- revela uma falha no projeto dos aeroportos. Um desses exemplos é o próprio aeroporto de Guarulhos, que deve fechar 2025 superando o recorde de 43 milhões de passageiros, registrado no ano passado.
O número já é maior do que a capacidade total do aeroporto projetada à época da inauguração do terminal 3, de 42 milhões, e quase o limite da capacidade atual, de 48 milhões -em 2018, reformas no terminal 2 aumentaram um pouco essa marca.
Mas a demanda não dá sinais de resfriamento e, no ano que vem, o principal terminal do país deve voltar à situação de 2010, quando já operava com 5 milhões de pessoas acima do ideal. Para os passageiros, o efeito são as filas. Há espera na hora de fazer o check-in (para quem ainda usa), nos procedimentos de segurança e, é claro, para entrar nas salas VIP.
Em 2010, quando a Infraero, então administradora de Cumbica, encomendou o primeiro projeto do terminal 3, o aeroporto já operava bem acima da sua capacidade -à época de 25 milhões de passageiros ao ano. Em 2012, com a inauguração do que hoje é o terminal 1, esse número subiu para 30 milhões. Meses depois, a iniciativa privada assumiu a concessão do aeroporto com a missão de inaugurar o novo terminal internacional em apenas dois anos, antes da Copa de 2014.
Por isso, o projeto original da Infraero, que à época custou R$ 22 milhões, foi descartado -ele previa um terminal robusto, com 13 pontes de embarque e áreas de check-in em um edifício único em formato de avião. Apesar de ser semelhante aos terminais modernos que existem hoje pelo mundo, o projeto não era compatível com o prazo de inauguração.
Assim, os profissionais trabalharam a partir de um cronograma reverso, definido de acordo com as necessidades da obra.
O novo projeto foi totalmente baseado em estruturas pré-moldadas, mais rápidas de construir. E, segundo uma consultoria de engenharia que trabalhou no projeto, "o planejamento estratégico de espaços comerciais foi fundamental para maximizar a receita não aeronáutica" -e as salas VIP são o melhor exemplo desse tipo de receita.
Por isso, apenas 11 anos após a inauguração do terminal 3, o aeroporto continua um canteiro de puxadinhos. As áreas de embarque remoto entre os terminais estão sendo transformadas em píeres que abrigarão salas conectadas aos terminais existentes e com pontes de embarque em todas as posições.
A expansão terá, é claro, mais espaços para salas VIP. A nova da Latam, fruto de um investimento de R$ 115 milhões, terá 4,7 mil m² próximo a um dos novos píeres. Para correr atrás do Visa Infinite Privilege Lounge, exclusivo aos clientes de altíssima renda da bandeira, a concorrente Mastercard trabalha na ampliação do The Club, sua sala mais restrita, que será inaugurada em breve. Ao mesmo tempo, o Itaú se apressa para transformar a antiga sala da Amex em mais um espaço exclusivo.
Principal dos novos puxadinhos, o píer próximo ao terminal 3 e dedicado a voos internacionais, deve ficar pronto em 2026. Já o outro, doméstico, entre os terminais 1 e 2, está previsto para o fim de 2028. A ver se até lá a demanda por espaço não terá, mais uma vez, superado a oferta -que, se mantiver o ritmo atual, deve crescer entre 6% e 10% ao ano.