RICARDO STUCKERT/PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA -
O acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul, debatido desde 1999, pode não ser concluído até o fim do ano, como planeja o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A avaliação é de especialistas consultados pelo R7. Lula discutiu o pacto com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, na semana passada, durante a cúpula entre a União Europeia e a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac).
Atualmente, o acordo está em fase de revisão, mas há entraves na questão ambiental e em compras governamentais. Recentemente, os europeus propuseram um documento adicional, chamado de side letter, que impõe sanções em caso de descumprimento — mas só para o lado sul-americano.
Os países da Europa também querem a garantia de que a intensificação do comércio entre os blocos não vá resultar no aumento da destruição ambiental no Brasil e nas demais nações do Mercosul — Argentina, Paraguai e Uruguai. Em contrapartida, o lado brasileiro é a favor de que não haja distinção na aplicação de eventuais sanções, ou seja, que os dois lados sejam penalizados da mesma forma em caso de descumprimento.
Para a professora de relações internacionais da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) Denilde Holzhacker, a conclusão do pacto até o fim deste ano é "viável". "O acordo tem questões não só gerais, mas que envolvem tarifas e uma série de capítulos já negociados. Agora, o que falta fechar são pontos independentes e dos quais, principalmente, o governo brasileiro decidiu retomar as negociações", afirma a especialista.
Apesar do otimismo, a professora não nega a complexidade da negociação. "Há uma série de implicações, pelas dificuldades de serem tantos países negociando. Há interesses de todos os lados e setores, como o setor agrícola francês, além de dificuldades do próprio Mercosul e do Brasil. É um acordo grande, que criaria uma das maiores zonas de comércio do mundo, mas também é uma implicação, porque envolve, além de comércio, uma série de outras áreas", destaca a professora.
O professor Carlos Vidigal, doutor em relações internacionais pela Universidade de Brasília (UnB), é mais cético. "Não acredito [que seja possível concluir o acordo até dezembro]. Desde a criação da Comunidade Europeia, na década de 1950, com o Tratado de Roma, a Europa privilegiou acordos com antigas colônias europeias, em detrimento de países latino-americanos", analisa.
Assim como a professora Denilde, Vidigal também destaca interesses dos setores de cada país envolvido. "Há conflitos de interesses muito grandes no tratado. Na verdade, muitas propostas são de difícil superação. A França, por exemplo, tem no setor agrícola uma questão de segurança nacional, então a França nunca vai abrir o mercado agrícola para a concorrência com produtos argentinos e brasileiros", continua.
Mesmo que duvide do prazo de conclusão apresentado por Lula, o professor admite que, caso o acordo seja finalizado até o fim do ano, não será em uma versão robusta.
"Acredito que é possível que ocorram avanços nas negociações, porque já estão muito maduras. É possível chegar a um acordo, não um acordo robusto, mas um acordo 'light', mínimo, que contemple alguns setores específicos de cada país, talvez muito mais por um jogo midiático do que por efetividade", avalia.
Para Vidigal, existe muita ilusão em torno das negociações. "Ninguém quer ceder, todo mundo quer conquistar mercado. Quando [o ex-presidente] Bolsonaro retomou os debates sobre o acordo, foi muito mais um jogo de cena do que iniciativa efetiva", relembra.
Conclusão não garante entrada em vigor
A professora de direito internacional da Universidade de São Paulo (USP) Maristela Basso lembra que, mesmo após a assinatura dos termos, o acordo precisa ser validado por cada país. As discussões envolvem 27 nações na União Europeia e quatro na América Latina.
"[O tratado] vem sendo negociado há muito tempo e, tendo em vista o tempo, é muito provável que possa estar pronto até o fim do ano e ser assinado, se não por todos do Mercosul, pelo menos pelo nosso governo", afirma.
Mesmo que demore para entrar em vigor, a assinatura do acordo é essencial para a diplomacia brasileira, destaca a professora. "É muito importante que se conclua na gestão de Lula e logo no primeiro ano, [porque mostra que o presidente] assume e logo consegue, na primeira parte do mandato, assinar e concluir um tratado dessa magnitude, que vem sendo negociado há décadas. E logo no período em que o Brasil é presidente do Mercosul. Tudo isso soma à diplomacia brasileira", conclui Basso.
Lula assumiu a presidência temporária do Mercosul no início de julho. Ele permanecerá no cargo por seis meses.