Criado em 2014 com uma ideia inicial de reunir vídeos de pessoas que dublavam músicas, o TikTok virou o centro das discussões tecnológicas nos últimos anos. Com seu mais de 1 bilhão de usuários ativos, trata-se da primeira rede social que realmente ameaça a supremacia do Facebook e de outros produtos da Meta. É fonte de memes e de uma linguagem própria — as dancinhas inocentes logo viraram piada e hoje cultivam um ecossistema gigantesco de conteúdo.
Por isso, os gigantes do Vale do Silício não esperaram muito para iniciar uma corrida e tentar clonar a ferramenta, que logo virou o Reels do Instagram, em 2020. Até plataformas que não se parecem em nada com o TikTok, como o Spotify, criaram formatos que tentam emular a experiência do aplicativo desenvolvido por uma empresa chinesa, a ByteDance.
Com adesão cada vez maior dos internautas, a tendência deu origem a uma explosão de vídeos curtos. Estes passaram a ditar o comportamento de toda uma geração e desenvolveram um vício em looping que acaba por diminuir a capacidade de autocontrole, causando uma dependência patológica e compulsiva do aparelho celular. Isso sem falar na proliferação de conteúdo tóxico, impróprio e perigoso.
Pioneiro nesse tipo de vício que alimenta a ansiedade dos usuários, o TikTok chegou a ser alvo do ex-presidente americano Donald Trump em sua guerra comercial com a China. Em 2023, o principal executivo do app, Shou Zi Chew, depôs no Congresso dos EUA para tentar provar que a rede não era uma arma de espionagem chinesa, depois que vários estados americanos e governos europeus baniram o aplicativo em seus dispositivos oficiais.
Entre os pais e profissionais de saúde de vários países, a preocupação principal é outra: o fluxo inesgotável de vídeos curtos dos aplicativos seria responsável por modificar o comportamento de crianças e adolescentes e destruir a capacidade de atenção deles.
Há até um termo informal para isso: "cérebro TikTok", ou TikTok brain, no original em inglês. Segundo as teorias, assistir continuamente a gravações que duram em média 30 segundos, com o poder de sempre passar para a próxima, deixaria o público com dificuldade de ver vídeos mais longos.
Até o momento, não existem muitas pesquisas que comprovem essa possibilidade, até porque diversos outros fatores, plataformas, aplicativos e tecnologias podem causar efeitos similares. O TikTok ou o Reels poderiam ser apenas mais um degrau nessa escalada de diminuição de atenção.
A principal evidência de que a rede causa a deterioração cognitiva de toda uma geração é um estudo de 2021 feito por pesquisadores do Departamento de Psicologia da Universidade de Zhejiang, na China. Ao verificarem exames de ressonância magnética do cérebro, os cientistas concluíram que o uso do app está relacionado à ativação de áreas normalmente acionadas em atividades altamente viciantes, o que diminui a "capacidade de autocontrole entre jovens adultos".
A pesquisa analisou 30 alunos da universidade que usam com frequência a plataforma — 46% assistiam a vídeos todos os dias. As cobaias viram sequências de imagens filtradas pelo algoritmo da rede social e também gravações sem nenhuma personalização. Nas duas situações, o cérebro dos participantes ativou regiões produtoras de dopamina, mas apenas com os vídeos indicados por algoritmo foram fortemente estimuladas subregiões como a área tegmental ventral (ATV) — conhecida como o início do circuito de busca e recompensa.
A pesquisa também revela a complexidade do estudo de mídias, uma vez que tais sistemas distorcem a realidade em nome da comunicação e, na era contemporânea, a alimentação dos próprios algoritmos.
É o que lembra o alemão Friedrich Kittler, um dos mais importantes teóricos de mídia do século 20, no livro Gramofone, Filme, Typewriter (1986): "Compreender as mídias permanece impossível, porque as tecnologias de comunicação dominantes controlam a distância todo entendimento e provocam suas ilusões sobre elas. [...] O que permanece das pessoas é aquilo que a mídia é capaz de registrar e transmitir".
O foco do estudo no algoritmo de recomendação da rede social, e não apenas no formato de vídeos curtos, é uma ênfase compreensível no que tornou o TikTok tão popular rapidamente. A área nobre da plataforma é a chamada For You Page (FYP, para os íntimos), que reúne essas recomendações incessantes. Quanto mais a plataforma é utilizada e mais dados pessoais são coletados, mais preciso se torna o filtro.
O algoritmo da FYP é um dos maiores segredos tecnológicos da atualidade e, segundo uma publicação oficial de 2020 do blog da empresa, leva em conta fatores como "interações do usuário", "informações do vídeo" e "configurações de dispositivo e conta".
"Cada nova interação ajuda o sistema a aprender sobre seus interesses e sugerir conteúdo — portanto, a melhor maneira de selecionar seu feed For You é simplesmente usar e aproveitar o aplicativo", incentiva a empresa.
O objetivo, é claro, é manter todos usando a plataforma o máximo possível, e para isso o app se aproveita da química cerebral. "O TikTok, como todas as redes sociais, libera dopamina, endorfina, serotonina no cérebro, sem que a pessoa perceba. Como o TikTok é rápido, o prazer é imediato", afirma a professora Anna Lucia King, psicóloga, doutora em saúde mental, professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e fundadora do Instituto Delete, em entrevista ao R7.
As redes sociais concorrentes não esperaram muito para iniciar uma corrida e tentar clonar o For You em suas respectivas plataformas. Até mesmo veteranos como a Meta — que impiedosamente ditou o ritmo de funcionamento da internet nas últimas décadas.
A plataforma chinesa ainda transformou o funcionamento de redes sociais: saem de cena as relações entre o público e os influenciadores, e é formado um reino no qual o único mandatário é um algoritmo obscuro que alimenta feeds e páginas dia e noite, sem parar. Por mais que o sistema de recomendação do TikTok esteja na mira de estudiosos e profissionais de saúde, outros gigantes não pensariam duas vezes em adotá-lo.
Em abril de 2022, funcionários do Facebook receberam um memorando interno que pedia que o feed do aplicativo da rede social se parecesse mais com o TikTok. Isso ocorreu após o Instagram ter sido parcialmente repensado para passar a focar primordialmente o formato Reels.
Segundo o portal The Verge, que teve acesso ao documento, o executivo-chefe do Facebook, Tom Alison, achava que a empresa não estava fazendo o suficiente para competir com o TikTok, "um legítimo desafiante ao seu domínio nas mídias sociais", em um alarme semelhante ao momento em que criou o Stories especificamente para canibalizar com sucesso o crescimento do Snapchat.